A Moda das sufragistas nas passarelas: Como Marc Jacobs e Vivienne Westwood reencenam a revolução

Quando o Tecido Virou Trincheira: A Moda como Arma de Guerra Simbólica

Em 1913, Emmeline Pankhurst, líder das sufragistas britânicas, declarou: “Precisamos ser vistas para sermos ouvidas.” Mais de um século depois, no desfile de primavera-verão 2020 da Marc Jacobs, a frase ecoou em cada dobra dos vestidos brancos, faixas verdes neon e acessórios roxos que desfilaram sob holofotes. A coleção não era apenas uma homenagem, mas uma reencenação teatral da luta sufragista, traduzida para uma era em que o protesto migrou das ruas para as redes sociais.

Jacobs, conhecido por sua obsessão com história da moda, entendeu o que muitas vezes ignoramos: as sufragistas foram as primeiras influencers políticas. Elas transformaram corpos em manchetes ambulantes, usando roupas como cartazes de um movimento global. Vivienne Westwood, por sua vez, há décadas costura narrativas de rebeldia em suas coleções, misturando o caos punk com a precisão estratégica das ativistas vitorianas. Este artigo não apenas descreve como esses designers resgatam o passado, mas revela por que esse resgate é urgente em um mundo onde a moda rápida apaga memórias e a política se dilui em algoritmos.


O Código Visual das Sufragistas: Uma Linguagem Secreta de Poder

As sufragistas não escolheram cores e símbolos ao acaso. Cada detalhe era uma mensagem cifrada, projetada para desafiar, unir e sobreviver à repressão.

1. A Alquimia das Cores: Branco, Roxo e Verde como Alquimia Política

  • Branco: Mais que pureza, era um escudo. Em 1908, a sufragista americana Harriot Stanton Blatch explicou: “Vestimos branco para que o sangue de nossas feridas seja visível.” Durante o “Black Friday” de 1910, quando manifestantes foram agredidas pela polícia em Londres, os vestidos brancos manchados de vermelho viraram capas de jornais, expondo a brutalidade estatal.
  • Roxo: Extraído de um raro molusco mediterrâneo, o pigmento púrpura era associado à realeza. Usá-lo era um ato de insolência — uma declaração de que as mulheres eram tão dignas de poder quanto os reis.
  • Verde: Simbolizava esperança, mas também era prático. Plantas como a urtiga, amplamente disponíveis, permitiam tingir tecidos em massa, tornando o movimento acessível até para as operárias.

2. Silhuetas Subversivas: Quando a Praticidade Era Revolução

Enquanto a moda vitoriana aprisionava mulheres em espartilhos de barbatana de baleia e anquinhas, as sufragistas adotaram tailleurs com bolsos grandes (para carregar panfletos) e saias curtas até o tornozelo (para correr da polícia). A estilista britânica Mary Quant, nos anos 1960, creditaria a elas a inspiração para a minissaia: “Elas nos ensinaram que a moda é liberdade de movimento — físico e social.”

3. Slogans Vestíveis: Hashtags Antes da Internet

Antes de #TimesUp ou #MeToo, as sufragistas bordavam frases como “Resistir é Existir” em lenços e cintos. Em 1917, a National Woman’s Party dos EUA criou as “Silent Sentinels” — mulheres que ficavam em vigília silenciosa na Casa Branca com faixas que perguntavam: “Senhor Wilson, até quando as mulheres devem esperar pela liberdade?” A resposta foi a prisão em massa, mas as imagens das faixas chocaram o mundo.


Marc Jacobs: O Passado Reimaginado em Neon

Em 2020, Jacobs não replicou o visual sufragista — ele o distorceu, como um espelho quebrado refletindo o século XXI.

A Coleção “The Suffragette” SS20: Um Guia Visual

  • Cores em Overdose: O branco imaculado das sufragistas tornou-se branco fosforescente, iluminado por LEDs ultravioleta. O roxo ganhou tons de uva elétrico, e o verde virou ácido, quase tóxico. “É uma metáfora para como o ativismo hoje precisa ser mais brilhante, mais impossível de ignorar”, explicou Jacobs em entrevista ao Business of Fashion.
  • Tecidos que Contam Histórias: Veludos esgarçados remetiam a bandeiras rasgadas em protestos; os brocados dourados eram uma crítica à ostentação da elite que ainda resiste à equidade.
  • Modelos como Personagens: Cada modelo carregava um acessório diferente — um megafone dourado, uma corrente quebrada, um relógio sem ponteiros. “São símbolos de que o tempo do silêncio acabou”, disse o estilista.

O Legado Incômodo: Críticas e Controvérsias

A coleção gerou debate: até que ponto um desfile de luxo pode se apropriar de um movimento popular? A crítica de moda Caryn Franklin argumentou: “Jacobs comercializa a revolução, mas também a coloca nas capas de revistas que normalmente ignoram política.” Para cada crítico, porém, havia uma jovem comprando uma réplica das faixas da coleção em sites de fast fashion — ironicamente, o oposto do que as sufragistas defendiam.


Vivienne Westwood: A Sacerdotisa do Caos Controlado

Westwood não faz moda; ela faz manifestos tridimensionais. Sua relação com as sufragistas é menos óbvia que a de Jacobs, mas mais visceral.

Da Revolução Punk à Revolução Sustentável

Nos anos 1970, Westwood e Malcolm McLaren criaram o visual punk, rasgando tecidos e usando alfinetes de segurança como joias. Hoje, ela costura a mesma rebeldia em um contexto ecológico: “As sufragistas lutavam pelo voto; nós lutamos pelo futuro do planeta.”

Coleção “Mirror the World” (2018):

  • Tecidos que Denunciam: Vestidos feitos de banners reciclados de protestos climáticos, estampados com frases como “Não Há Planeta B”.
  • Joias com História: Colares feitos de fragmentos de algemas — uma referência às prisões das sufragistas, que quebravam celas com greves de fome.
  • Desfiles-Ato: Em 2018, Westwood interrompeu seu desfile em Londres para exibir um vídeo de Greta Thunberg. Modelas distribuíam sementes de árvores em vez de panfletos.

Westwood vs. o Sistema: “Comprar Menos, Exigir Mais”

Em seu manifesto, ela escreve: “As sufragistas sabiam que a moda era uma armadilha da sociedade patriarcal. Hoje, a armadilha é o consumo excessivo. Resistir é não comprar.” Sua loja em Londres, “Worlds End”, só abre três dias por semana para reduzir o consumismo.


A Filosofia por Trás dos Pontos: Por Que a Moda Sufragista ainda Queima

A moda das sufragistas não foi um capricho estético — foi uma tática de guerra psicológica. E Jacobs e Westwood atualizam essa tática para enfrentar novos inimigos:

1. O Corpo como Território Político

As sufragistas usavam roupas para ocupar ruas; hoje, ocupamos redes sociais. A modelo e ativista Munroe Bergdorf afirma: “Vestir uma camiseta com um slogan feminista é como as sufragistas usavam faixas — é um ato de existência em espaços que querem nos apagar.”

2. A Ditadura do Fast Fashion e a Resistência Têxtil

Enquanto marcas produzem 150 bilhões de peças por ano, Westwood e Jacobs pregam a “moda lenta”. A estilista britânica Stella McCartney, aliada de Westwood, desenvolve couro vegano a partir de micélio de fungos — uma inovação que ecoa o pragmatismo das sufragistas ao usar tecidos acessíveis.

3. A Cor como Meme Visual

Em 2020, durante os protestos do Black Lives Matter, ativistas vestiram preto para simbolizar luto. Em 2023, no Irã, mulheres acenaram lenços brancos em protesto contra a opressão — uma clara herança do código cromático sufragista. Jacobs, ao usar verde fluorescente, sugere que as cores do futuro serão ainda mais radicais.


Manual da Moda Militante: Como (e Por Que) Vestir sua Causa

Para designers e consumidores que querem seguir esse legado, a regra é clara: cada peça deve ter um propósito.

Passo 1: Decifre o Código

  • Estude movimentos históricos (sufragistas, direitos civis, LGBTQIA+) e suas paletas.
  • Exemplo: O coletivo Fashion Revolution usa etiquetas com “Quem Fez Minhas Roupas?” — uma versão moderna dos slogans bordados.

Passo 2: Subverta o Esperado

  • Transforme símbolos de opressão em emblemas de poder. Westwood fez isso ao transformar o tartan, tecido associado a clãs escoceses, em uniforme punk.

Passo 3: Colabore ou Morra

  • Jacobs parceria com a Planned Parenthood; Westwood doa lucros para a Amnesty International. A moda ativista exige alianças reais, não apenas estéticas.

O Desfile Nunca Termina: Escrevendo o Próximo Ato

Em 2023, a estilista nigeriana Adebayo Oke-Lawal lançou uma coleção inspirada nas mulheres Yorubá, que usavam panos amarrados no quadril para carregar filhos e ferramentas. “Como as sufragistas, elas transformaram roupas em utilidade e protesto”, disse ele. A mensagem é clara: o legado das sufragistas não é europeu ou do passado — é universal e urgente.

Quando você escolhe um broche em forma de punho cerrado, uma bolsa com frases feministas ou até mesmo uma camiseta roxa, está participando de um diálogo iniciado há 120 anos. A diferença é que, hoje, esse diálogo pode viralizar, cruzar fronteiras e, quem sabe, mudar políticas. Como escreveu Westwood em seu diário: “A moda é a arma dos pacientes. Nós tecemos, eles não veem a revolução chegando.”


Para Saber Mais (e Fazer Mais):

  • Livros Imperdíveis:
    • Dressed for Freedom: The Fashionable Politics of American Feminism de Einav Rabinovitch-Fox.
    • Vivienne Westwood’s Punk Politics: From Rebellion to Revolution (ensaio crítico da editora Thames & Hudson).
  • Filmes que Revolucionam:
    • She Said (2022) — sobre jornalismo investigativo e o poder de tornar histórias visíveis.
    • The True Cost (2015) — documentário sobre fast fashion e ativismo.
  • Ações Concretas:
    • Doe roupas para o Fashion Revolution.
    • Participe de oficinas de upcycling para transformar roupas velhas em protestos vestíveis.

Desafio Final:
Na próxima vez que se vestir, pergunte-se: “Que mensagem esta roupa grita silenciosamente?” Se a resposta for “nada”, talvez seja hora de revirar o guarda-roupas — e as convicções.


(Artigo escrito para vestir a mente de coragem. Compartilhe, mas lembre-se: roupas mudam; ideais, nunca.)

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